quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O(s) amante(s)

Ele está sentado em frente dela que está de pé. Ela baixa os olhos. Ele segura-lhe o vestido por baixo, tira-lho. Depois faz deslizar o slip de algodão branco. Atira o vestido e o slip para cima do maple. Retira as mãos do corpo dela, olha para ela. Ela não. Ela baixou os olhos, deixando-o olhar.
Ele levanta-se. Ela fica de pé em frente dele. Ela espera. Ele volta a sentar-se. Ele acaricia mas levemente o magro corpo dela. Os seios, a barriga. Fecha os olhos como um cego. Pára. Retira as mãos. Abre os olhos. Muito baixo diz:
- Não posso... não podemos... não pode ser verdade...
Ela não responde. Ele diz: É um pouco assustador. Não espera resposta. Sorri e chora. E ela, ela olha para ele e pensa – num sorriso quase a chorar – que talvez vá amá-lo por toda a sua vida.
Com uma espécie de receio, como se ela fosse frágil, e também com uma brutalidade contida, ele pega-lhe e pousa-a sobre a cama. Depois de ela estar ali, colocada, oferecida, olha-a outra vez e volta a ter medo. Fecha os olhos, cala-se, não a quer mais. E é depois que ela faz aquilo. De olhos fechados, despe-o. Um botão depois outro botão, uma manga depois outra manga.

Ele não a ajuda. Não se mexe. Fecha os olhos como ela.

Ela. Ela está sozinha. Olha para ele, o corpo dele nu tão desconhecido como um rosto nu. Igualmente singular, adorável como a mão dele, nua, sobre o corpo dela durante a viagem que haviam feito poucas horas antes. Ela continua a olhar, e ele deixa, deixa-a olhar. Ela diz muito baixo:
- Há coisas que nunca se esquecem…
Ela beija-o. Já não está sozinha. Ele está ali. Ao lado dela. Ela beija-o de olhos fechados. Pega nas mãos dele, agarra-as, encosta-as ao rosto. São as mãos da viagem. Enquanto lentamente ele cobria esse corpo com o corpo dele, sem o tocar ainda, o silêncio das vozes preencheu o refúgio dos amantes. Ouvia-se o barulho da noite, abafado e longínquo na noite do quarto. E a voz dele torna-se tão próxima como as suas mãos.
- Vou magoar-te.
Ela diz que sabe.

Ela dizia que se recordava do medo. Como se recordava da pele, da doçura, e de se assustar.
De olhos fechados tocava essa suavidade, tocava a cor dourada, a voz, o coração que tinha medo, todo o corpo que se continha por cima do corpo dela, pronto para o assassínio de a ignorar a ela que se tinha tornado uma mulher dele. A mulher dele, desse homem que se cala e que chora e que faz aquilo num amor assustador que lhe arranca lágrimas.

A dor chega ao seu corpo. Primeiro é uma dor viva, depois terrível. Depois contraditória. Não há mais nada igual. Nada. E realmente é quando essa dor se torna insuportável que começa a afastar-se. A transformar-se, a tornar-se apropriada para gemer, para gritar, a agarrar o corpo inteiro, a cabeça, toda a força do corpo, da cabeça e o do pensamento, arrasado. O sofrimento abandona o seu corpo, a sua cabeça. Foi ultrapassado, deixou de sofrer. Isto já não se chama dor.
E depois esse sofrimento abandona o corpo, abandona a cabeça, abandona insensivelmente toda a superfície do corpo e perde-se numa felicidade desconhecida de amar sem saber.

Ela recorda-se. É, talvez a única, a recordar-se, ainda. A ouvir, ainda, o barulho do mar no quarto. De ter escrito isso também se lembra, como do barulho da rua. Até se recorda de ter escrito que o mar estava presente nesse dia no quarto dos amantes. Tinha escrito as palavras: o mar e três outras palavras: simplesmente, a palavra: incomparável e a palavra: inesquecível.

Hoje, ela recorda...

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O amante

- Nunca fazes nada, nunca... nunca fazes o que quer que seja...
- Nunca.
Ela sorri-lhe. Diz-lhe:
- Dizes “nunca” como se dissesses “sempre”.
Ele olha para ela.
Silêncio.
Ele diz muito baixo:
- É curioso... a este ponto... que te queira tanto...
Ela põe-se debaixo da ventoinha. Sorri para o ar fresco. Está contente. Nenhum dos dois repara que o amor está ali.
O desejo distrai-se outra vez.
Ela vai até à outra porta que fica do outro lado da porta de entrada. Tenta abrir. É pela maneira como ele a olha que se pode adivinhar que ele vai amá-la, que ele não se engana. Ele está numa espécie de emoção contínua, quer ela fale quer ela se cale. Para ele o amor também poderia começar ali. Ela enche-o de medo e de alegria.
Olham um para o outro.
Silêncio. Depois ela diz:
- Gosto disto aqui.
Ele pergunta-lhe como é que ela vê aquele lugar.
Olham, novamente, um para o outro. Ela hesita, depois diz:
- É um lugar abandonado - olha intensamente para ele - e além disso tem o teu cheiro.
Ele vê-a andar, beber, voltar.
Esquecer-se dele. - E depois recodar-se.
Ele levanta-se. Olha para ela.
- Vou possuir-te.
Silêncio. Apagou-se o sorriso do rosto dela. Empalideceu.
- Vem.
Ela vai ter com ele. Ela não diz nada, deixa de olhar para ele.

continua

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

(rascunho)

encolhes os ombros em movimentos tresloucados, como se ao fazê-lo questionasses o mundo e dele não obtivesses resposta. alheaste-te da orbe. deambulas, arrastando-te pelos escombros da vida. da tua vida. sorris de vez em quando. nem sabes do quê. também não é importante.
prendes os olhos nas esquinas do tempo. no tempo em que foste feliz, ou pensas que foste. no tempo em que as ausências do presente eram preenchidas pela presença da matéria e dos sentimentos.
o teu corpo dói. agonizas. cospes o ácido da cólera que te consome as entranhas. podias ter agarrado as rédeas da vida com as duas mãos, mas não. não o fizeste. doem-te do esforço. calejaste-as com o sofrimento das infrutíferas tentativas. não foi, ainda assim, o suficiente. constatas, hoje, na solidão dos teus dias.
dobras-te sobre ti mesmo. aninhas-te em ti. o peso das memórias, que queres apagar, agarra-te ao chão e não te deixa avançar. pedes clemência ao deus que outros te disseram ser o alívio das causas perdidas. não te ouve. tens os olhos a puxarem-te para o chão. não te reconhece. nem te reconheces.
um dia, um dia soubeste ser feliz. quando as tuas mãos ainda eram aquecidas.
podias ter sido tudo o que quisesses. tinhas tudo, mas não. deixaste-te ausentar de ti.

sábado, 1 de novembro de 2008

A minha cela

Que está a acontecer? Para onde estou a ir? Sento-me no silêncio da minha cela. O silêncio é tanto que me aflige. Os tímpanos vibram e doem, pedem som, pedem o doce conforto que se pode encontrar noutra voz humana. A raiva desaparece tão depressa como aparece. A confusão faz-me companhia, e a agitação corrói-me o espírito. Levam-me à loucura. Onde acabará esta estrada, aonde é que ela me levará? Que está a acontecer? Não sei. Talvez não queira saber, porque a resposta pode ser tão infernal como a indecisão, o abismo escuro e desconhecido em que vagueio neste instante.
Assisti ao nascer do Sol esta manhã. Vi-o lançar os seus curativos raios sobre os pássaros chilreantes e às árvores ondulantes na brisa da manhã. Esta visão fez-me sentir indescritivelmente bem. Fiquei em paz, uma paz que eu quis que confortasse, sempre, a minha alma. Mas... não confortou.
ainda sofro…