sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

E como morremos já...

Semilouca, com a razão obscurecida pelo menos, ela assistiu impassível à agonia suave dele e, vestida de preto - na sala às escuras - recebeu os amigos que solícitos lhe vinham dar os pêsames. A eterna comédia humana… Só quando o pesado caixão subiu para a berlinda negra, só quando a longa fila de carros se pôs em marcha, é que ela acordou do pesadelo, e viu, conscientemente viu, toda a sua desgraça. Pela primeira vez chorou; chorou não por ele, mas pela ruína total e sem remédio da sua vida inteira. Porque era assim: a partir daquele momento toda a sua vida desabara convertida num montão de escombros. Debaixo dos destroços, ela jazia sepultada - morrera também. Por isso não pensou no suicídio: Existem angústias tão desoladoras, tão infinitamente cruéis, que nós temos a sensação nítida - mas é verdade, temos a sensação nítida - de que passámos já para além da morte. Em muitos dias de vida, por coisas de bem menor importância, por mil complicações enervantes e mesquinhas, lembrámo-nos de desertar. Porém, em face duma catástrofe horrível, de tal modo horrível que nunca admitimos a hipótese de a vermos consumada, não pensamos nem por um segundo nessa libertação. Não pensamos porque a nossa dor foi tamanha que mesmo na morte não acharíamos refúgio para ela - a nossa dor foi tamanha que realmente morremos já. E como morremos já, não importa que continuemos vivos. Demais, ao peso dessa angústia, toda a nossa vontade ficou abolida. Ora, digam o que disserem, ainda é imprescindível uma grande força de vontade para desfecharmos uma pistola sobre nós próprios, para nos precipitarmos duma ponte, para emborcarmos um frasco de veneno…

4 comentários:

  1. Força de vontade?... Para mim é coragem... mas também pode ser desespero.
    Bom fim de semana
    Maria

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  2. Querida Serena
    Curioso este "nome"... não pareces nada serena, mas nessa demanda, sem querer que assim seja...
    Boas festas!
    Um beijo
    Daniel

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  3. Agradeço o teu comentário e não posso comentar como gostava o que aqui tens escrito, por não terconseguido ler tudo como gosto.
    O teu blog está construído com um gosto sóbrio e simmples que aprecio.
    Depois volto para ler
    Já não me lembro por onde entrei na primeira vez que aqui vim, mas como isso também não tem importância de maior, a finalidade é dejar-te um BOM NATAL e ANO NOVO.
    Fica bem
    Maria

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  4. Serena,
    Há por aí muito gente que realmente já morreu porque simplesmente desistiu de viver. E por vezes esquecem-se que a vida é só uma, e que está aí para ser vivida com toda a intensidade, aproveitando cada momento.
    Beijinhos.

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